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Olhar de Cinema 2023!

O olhar diferente para o cinema

5.0 Narigadas, Brasil, 2022

    O Olhar de Cinema, a mostra internacional de cinema de Curitiba, iniciou a apresentação de sua seleção de longas e curtas num dos maiores e icônicos palcos da arte curitibana: na Opera de Arame. Fundado em 1992 o teatro Opera de Arame nunca tinha sido palco da exibição de um filme, e depois de 30 anos e com a projeção do longa Casa Izabel a estreia não poderia ter sido mais curitibana.


    Tudo foi tipicamente da terra dos pinheirais: o filme é estrelado pelo renomado ator que nasceu na cidade de Curitiba, Luís Melo; a produção foi rodada e produzida na região da cidade; apesar desta não ser a primeira exibição do filme, visto que Casa Izabel inclusive já foi premiado como o melhor filme da 26a edição do Cine PE, a produção dirigida por Gil Baroni foi escolhida para abrir o Olhar justamente por ser um representante local; e o frio.

    Apesar do clima gelado de Curitiba ser potencializado pela naturalidade do teatro - a Opera de Arame é um local que por ser integrado com a natureza não é totalmente fechado - internamente mais de 1400 pessoas presenciaram a histórica abertura do Olhar e do Teatro Opera Arame exibindo a sétima arte. E foi realmente lindo.

    Sobre o filme. Casa Izabel é uma produção lúdica. O enredo é simples, no qual homens encontram um lugar escondido onde podem extrapolar suas vontades mais internas, mais íntimas e secretas. Lá, a figura mítica da idealizadora deste refúgio, a Izabel, está aparentemente em seus últimos dias de vida, e a sua presença na casa é envolta num ar de mistério e tristeza.

    A história também tangencia uma discussão política e social, visto que se passa nos tenebrosos tempos da ditadura no Brasil, mas o que realmente toca o espectador é a extrapolação visual e emocional daqueles homens e suas intimidades reveladas.


    Outro filme exibido no Olhar, mas isso já nos dias seguintes, visto que na Opera de Arame somente ocorreu a projeção do filme de abertura, foi o também brasileiro O Acidente. Este caderno de cinema acompanhou a exibição do filme no icônico curitibano Cine Passeio, e também do debate que se seguiu após o término da sessão com o diretor Bruno Carboni, a roteirista Marcela Bordin e o montador Germano de Oliveira.

     O Acidente é um filme porto alegrense que se passa naquela capital do Rio Grande do Sul, mas o seu contexto é extremamente intimista, apesar de uma pequena pitada de conteúdo político, visto que a produção foi produzida durante os terríveis anos do governo fascista que dirigiu o país a partir de 2019. A história segue os eventos que acontecem com a protagonista Joana, e a é chocante ver a reação daquela mulher que age de uma forma muito inesperada diante de tantos eventos negativos que se sucedem em sua vida. O Acidente poderia ser chamado de O Abraço, e esta explicação fica como possível interpretação de quem assistir ao lindo filme. 
    

     Uma outra produção brasileira da seleção do Olhar foi o angustiante e emocionante "Quando eu Me Encontrar", que foi assistido no Cinema do Shopping Novo Batel numa sessão lotada com a presença das duas atrizes principais Luciana Souza e Pipa. A história revela no seu final um importante comportamento que algumas pessoas podem precisar fazer em suas vidas para tentar se encontrar, para distantes de certas distrações buscar entender o que está se passando em suas vidas e qual caminho seguir, e apesar de tornar angustiante para os outros devido a ausência, o comportamento da personagem que precisa se encontrar (origem do nome do filme) é totalmente justificado na produção.

     Um detalhe marcante no filme são as apresentações musicais, à capela, da personagem Cecília. É extraordinário.


    Uma interessante característica de eventos como o Olhar de Cinema, é a possibilidade do contato com produções que dificilmente serão lançadas com alcance de público no circuito comercial, talvez por suas qualidades pouco comerciais, ou ainda por não terem grandes nomes no elenco, na produção, ou ainda não terem um distribuidor renomado. Enfim, eventos como o Olhar e inúmeros outros similares no Brasil e no mundo, possibilitam encontrar um mundo diferente do cinema, exemplarmente pode ser o caso da produção brasileira O Estranho.

    O filme mistura ficção com documentário, e faz uma trajetória muito sensível através da vida de algumas pessoas que tiveram suas casas "invadidas" pelo estranho aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Talvez o efeito principal da produção seja o de suscitar o quanto um empreendimento como a construção de aeroporto pode mudar a vida de tantas pessoas, tanto para o bem, quanto para o mal.

    Em contrapartida, Zé, dirigido por Rafael Conde pode ter um caminho comercial mais promissor. O filme conta a trajetória de corajosos brasileiros que não se acomodaram diante da repressora ditadura militar que começou no Brasil em 1964, porém, suas coragens tiveram pouco efeito prático positivo diante da barbárie militar, e apesar de terem sofrido como milhões de brasileiros na época, pagaram com suas vidas pelas suas ações.

    O filme obviamente tem um conteúdo político e social que se sobressai, mas o que realmente chama a atenção é a sensibilidade pessoal que o filme tem, pois conta uma história real que afligiu todo um país, porém pelo ponto de vista intimista de uma pessoa (o Zé) e sua família. Quem sabe o filme apareça por ai nos cinemas ou streamings. 


     O Olhar de Cinema de Curitiba divide os filmes entre várias mostras, dentre as quais o filme estrangeiro Disco Boy (coproduzido pela França, Itália, Bélgica, Polônia) integra a Competitiva Internacional. Como de costume no bom cinema francês, a história faz uma dura crítica político e social do comportamento de sua nação e de outras em relação a forma como trata seus cidadãos e dissidentes. 

    No caso, o personagem interpretado pelo renomado ator alemão Franz Rogowski, é um desertor de Belarus e que chega ilegalmente na França, contudo, o filme consegue converter o gigante problema político social (estrangeiros ilegais) através de uma solução íntima, pessoal do personagem, ensinando que talvez o que tem real valor é o que se sente, como se sente, e não o que se espera do comportamento de uma nação, de suas decisões políticas. O filme é acachapante. 


    Na mostra Exibições Especiais, o documentário dirigido por Bruno Jorge coloca o expectador dentro da floresta amazônica, e na sequência de cenas que mostra o encontro dos familiares indígenas, é possível ficar chocado como a cultura dos homens brancos é tão diversa da cultura dos indígenas. Inclusive, esta tomada é muito longa dentro do filme, e a cada minuto que se passa o filme fica mais impressionante. Um filmaço.


    Por fim, o último filme inédito que foi assistido por este caderno de cinema foi o colombiano Anhell69. Percebe-se através deste filme, e também de sua lotada sala onde ele foi exibido no Shopping Novo Batel, uma outra importante característica do cinema, das artes: o de permitir visualizar um mundo que poderia ser inalcançável no viver de uma vida cotidiana. 

     O diretor Theo Montoya dirige um documentário no qual em sua história simula um casting (testes para seleção de atores para um filme) entre seus amigos, notadamente homossexuais, e que revelam seus sonhos e suas angústias, e suas tragédias. A produção tem um ar realmente deprimente, triste, trazendo muito sentido ao nome que foi escolhido para o filme: uma corruptela de Angel. Enfim, um filme difícil.


    Outras mostras do Olhar é a Olhares Clássicos, que dentre outros trouxe o excelente No Calor da Noite do diretor Norman Jewison, e também da mostra Olhar Retrospectivo, que neste ano homenageou o cineasta canadense David Cronenberg, do qual este caderno de cinema assistiu ao Videodrome e Gêmeos, Mórbida Semelhança.

    Enfim, viva a arte, viva o cinema, viva o cinema brasileiro, viva o bom cinema estrangeiro,  viva o Cine Passeio e o Cinema do Shopping Novo Batel, e viva o Olhar o Cinema de Curitiba.

Filmes assistidos:

[2.5 Narigadas] Casa Izabel, Brasil, 2019, Assistido na Opera de Arame, Filme de Abertura

[5.0 Narigadas] O Acidente, Brasil, 2018, Assistido no Cine Passeio, Mostra Exibições Especiais

[3.0 Narigadas] Quando Eu Me Encontrar, Brasil, 2022, Assistido no Shopping Novo Batel, Mostra Competitiva Brasileira

[4.5 Narigadas] A Invenção do Outro, Brasil, 2022, Assistido no Shopping Novo Batel, Mostra Exibições Especiais

[2.5 Narigadas] , Brasil, 2022, Assistido no Shopping Novo Batel, Mostra Competitiva Brasileira

[2.0 Narigadas] O Estranho, Assistido no Shopping Novo Batel, Mostra Competitiva Brasileira

[4.5 Narigadas] Disco Boy, França, Itália, Bélgica, Polônia, 2022, Assistido no Shopping Novo Batel, Mostra Competitiva Internacional

[3.5 Narigadas] Anhell69, Colômbia, Romênia, França, Alemanha, 2022, Assistido no Shopping Novo Batel, Mostra Competitiva Internacional

[2.0 Narigadas] Videodrome, Canadá, 1993, Assistido no Cine Passeio, Mostra Olhar Retrospectivo

[3.5 Narigadas] Gêmeos, Mórbida Semelhança, Canadá, 1988, Assistido no Cine Passeio, Mostra Olhar Retrospectivo

[4.0 Narigadas] No Calor da Noite, EUA, 1967, Assistido no Shopping Novo Batel, Mostra Olhares Clássicos


jacozao.com
Curitiba 2023

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