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Filme (5.0): "Vidas Secas", 1964, 2018, Brasil


Lançamento 1964
Direção de Nelson Pereira dos Santos
Elenco com Atila Iorio, Maria Ribeiro (II), Orlando Macedo, Baleia
Drama
Brasil

    Jakson Böttcher, O Jacó
Torresmo, às 22:00

     Nos idos da década de 1990 eu li forçosamente o livro de Graciliano Ramos "Vidas Secas", e lembro que além de um resumo caíram questões sobre a história na prova de português, que certamente eu acertei, pois CDF que era estudara como nunca.

    Agora, algumas décadas depois e motivado pela morte do diretor brasileiro Nelson Pereira dos Santos neste 2018 (aos 89 anos) resolvi assistir algumas de suas obras mais notórias, e uma vez mais me deparei com Vidas Secas. E que deparada!

    A história que Nelson reproduziu no cinema parece ser muito fiel ao livro de Graciliano, especialmente a crueza da realidade nordestina, a dureza das relações entre patrão-empregado-polícia-mãe-filho-pai-animais, a desumanização das pessoas, a humanização dos animais (a Baleia, diga-se de passagem!), enfim, a história contada pelo diretor do cinema seria (e é) tão chocante quando ao escrito pelo escritor.

    Tudo é chocante. Os sentimentos são aflorados no espectador já no começo da produção. O caminhar daquela família por dentro do rio seco é angustiante. O som do carro de boi - inclusive, um dos únicos sons do filme, o que poderia ser considerado como sendo a sua trilha sonora -, a alegria daquelas pessoas ao depararem-se com um abrigo, com a chuva... Ufa, é um começo arrebatador.

    A discussão social mais importante foi a relação do patrão, do fazendeiro interpretado brilhantemente por Jofre Soares com o nosso herói (!) Fabiano, também excelentemente interpretado por Atila Lorio. Fabiano curva-se totalmente às ordens do patrão, e em cada uma destas flexões o espectador sem dúvidas se contorce na cadeira, pois é tão revoltante que somente o infeliz que aprovou a tal reforma trabalhista agora em 2018 pode imaginar que há isonomia na relaçõe entre empregador e empregado. Cretinos!

    A mãe, a personagem Sinhá Vitória é concebida pela interpretação extraterrestre de Maria Ribeiro II. Que personagem incrível! A ação dela é tão magistral que em seu ápice logo no início do filme, até o papagaio paga o pato. As crianças que poderiam ser consideradas coadjuvantes só não as são pois o sofrimento delas não passa desapercebido.

    Mas, é incontestável que a atriz principal é a cachorrinha Baleia. Não há como não preocupar-se com o sumiço dela, tal como as crianças o fazem durante o filme. Não há como não rir quando de suas falas (latidos, é claro), tão presentes em todo o filme. Não há como não se emocionar com o seu fim. Nele, no fim, Nelson Pereira dos Santos mostra todo o seu potencial, o seu brilhante dom de fazer filmes. A sequência da morte da Baleia foi para este editor deste caderno cinema a cena mais bem construída e emocionante do cinema.... Tudo isso num filme de 1964. É incrível, mas é verdade.

    Nelson faz no filme um trabalho surreal. O andar daquelas pessoas sobre a areia do rio seco; A alegria do casal que juntos declamam seus sonhos enquanto a chuva caí; A morte da Baleia. A morte da Baleia. Ah, a morte da Baleia.

    "Vidas Secas" é incrível.

    Além da personagem magistral da Baleia, a história real de sua ida para Paris é contada no curta abaixo. Curta.

Como se Morre no Cinema
     
Classificação: Cinco Narigadas!

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